Haviam passado poucos minutos do meio-dia quando o Kriola atracou no porto da Furna onde o aguardavam uma multidão impressionante que queriam ver de perto o navio. O Kriola chegava triunfante depois de enfrentar a fúria do famoso "alcatraz", o mar da costa da ilha do Fogo e o canal Fogo/Brava.
As ondas chegavam a atingir os quatro metros ou mais de altura, mas o navio concebido especialmente para as nossas águas passou o teste com louvor. "Nem o mar ficou indiferente ao Kriola e quis fazer parte da festa", viria a dizer o Presidente da Cabo Verde Fast Ferry, Andy Andrade, horas depois na cerimónia de baptismo da embarcação.
Até os golfinhos, curiosamente, o símbolo da companhia dona do navio, vieram às centenas saudar o Kriola, perto da costa da ilha do Fogo num dos momentos mais emocionantes para quem fez essa viagem. Todos, sem excepção levantaram para ver esses belos mamíferos num show que parecia mesmo coreografado ao mínimo detalhe.
Os mais incautos poderiam mesmo pensar que tudo fazia parte do programa. E o magnífico roteiro continuou na chegada com aquela extasiante manifestação de alegria dos bravenses. "Foi impressionante, de dar lágrimas nos olhos", comentava um dos passageiros.
E de facto, lágrimas não faltaram, lágrimas de felicidade pelo "sonho realizado", como salientou o edil Camilo Rodrigues. "Não há palavras", murmurou uma outra senhora a uma televisão enquanto limpava as lágrimas.
Essa mesma senhora que se preparava para festejar o 35˚ aniversário de casamento na ilha que a viu nascer e onde se casou, juntamente com o companheiro da sua vida. Um momento só possível graças ao Kriola. Foram momentos, de facto, mágicos de encontros e de matar as saudades. Que o diga o emigrante nos Estados Unidos, John Miranda (55 anos de idade), que depois de 42 anos longe do seu ninho " Djabraba", como diria o saudoso Eugénio Tavares, regressava à casa que o viu nascer.
Regressava para cumprir o sonho de tocar com os seus dois irmãos que compõem a sua banda na Praça Eugénio Tavares, parte das actividades de comemoração da viagem inaugural. O Kriola testemunhava ainda o regresso de Valdir Macedo que há 45 anos não punha os pés no seu torrão natal. A partir de agora será mais fácil para eles visitarem a Brava, assim como será mais fácil aos bravenses estarem conectados com as outras ilhas.
As possibilidades para a ilha e o seu desenvolvimento são imensas como ilustraram todos os intervenientes, inclusive o Bispo Dom Arlindo Furtado que enalteceu a importância desse grande empreendimento para a Brava e as restantes ilhas do Sul e o país no seu todo.
"Kriola abençoada"
Uma outra feliz coincidência é que o dia 9 de Janeiro é uma importante data para os cristãos, pois é Dia da festa do baptismo do Senhor, como recordou o Bispo de Cabo Verde. Abençoada seja esta Kriola que fez renascer a esperança nas gentes de "Djabraba"
José Maria Neves enalteceu o Kriola como símbolo deste Cabo Verde moderno que se está a construir, "um Cabo Verde plano sem fronteiras entre as ilhas e os cabo-verdianos aqui e na Diáspora, deixando a sua homenagem ao falecido Norberto Tavares, que muito bem soube cantar a unidade nacional.
Com o Kriola, "um empresário da Brava poderá sair no seu carro, logo cedo, deixar os seus filhos na escola, entrar no Kriola, desembarcar na praia no fim da manhã, no seu carro, visitar os amigos e cuidar dos seus afazeres na Praia e regressar a tempo de jantar com os filhos e a esposa", ilustra o Primeiro-Ministro na cerimónia de baptismo do navio.
Também Camilo Gonçalves enalteceu a grandeza do momento que abre novos perspectivas para a Brava e apelou aos bravenses para que acreditem na sua ilha e que aproveitem as novas oportunidades que surgem com a chegada do Kriola. Oportunidades no turismo, no comércio, na agricultura, e até mesmo no intercâmbio cultural, como sublinhou Maria De Barros e outras áreas. A grande certeza é que a partir de agora a ilha das Flores nunca mais será a mesma.
A festa só acabou lá pelas três horas da madrugada com o fim do espectáculo musical que colocou no mesmo palco, Maria de Barros e a sua banda, John Miranda e seus irmãos e banda e a Lutchinha que pela primeira vez cantava na ilha da morna que ela tão bem interpreta.
O regresso do Kriola à Praia se fez no início da tarde, por volta das 13h:00, mais uma vez num mar turbulento, mas que nem assim conseguiu vencer nem o nosso bravo Kriola como o entusiasmo de seus cerca de 164 ocupantes.
De acordo com Andy Andrade, o navio só iniciará as viagens regulares, lá pelo dia 20, pois ainda há que cuidar de alguns detalhes para que o navio esteja completamente operacional, como a colocação do sistema de refrigeração para o bar e a rampa do navio que, segundo indicações terá chegado ontem ao país vindo dos Estados Unidos.
Recorda-se que a Cabo Verde Fast Ferry é uma sociedade publico-privada, envolvendo empresários na Diáspora, mais concretamente nos Estados Unidos, no país e as edilidades da Brava e de São Filipe no Fogo. Ela também contou com uma importante contribuição do Governo que concedeu uma subvenção de 100 mil contos para garantir sustentabilidade nos primeiros cinco anos da empresa.