Como é ser Primeiro Ministro em Cabo Verde?
PM: Ser Primeiro Ministro em Cabo Verde é ao mesmo tempo desafiador e difícil. Desafiador, porque temos um país onde está tudo por fazer, tudo é prioritário e temos de ter uma grande capacidade de fazer as escolhas certas no momento oportuno. É extremamente difícil e complexo, porque vivemos num país com uma grande escassez de recursos e esse facto condiciona sobremaneira as escolhas, as decisões que devem ser tomadas. De resto, considero ser aliciante poder liderar um processo de transformação e de modernização de um país como Cabo Verde.
Como é ser merecedor, pela segunda vez, da confiança da Nação cabo-verdiana?
PM: Considero quase que o renovar de um compromisso entre os cabo-verdianos e o Primeiro Ministro. Nós fizemos uma campanha no 1º mandato “Por Amor à Terra”. Amor à Terra quer significar uma relação muito profunda com estas ilhas de Cabo Verde, no sentido da promoção da democracia, da promoção e protecção dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, da expansão dos espaços dos cidadãos, da construção de um Estado moderno, forte, capaz de dar resposta às demandas e às exigências dos cidadãos e também de uma gestão transparente dos assuntos públicos. Ou seja, governar com ética: aqui quero dizer, respeitar as regras do jogo democrático, procurar os consensos sobre as grandes questões nacionais e sobretudo trabalhar para a realização do bem comum, com rigor, com transparência, garantindo que os cidadãos vivam de forma plena as liberdades que são consagradas na Constituição. Ao ser reeleito são esses os compromissos que são renovados, e sinto-me profundamente recompensado porque esta nova forma de fazer política, esta visão modernizadora do Estado, da cidadania, da sociedade civil, deste país crescentemente mais livre, mais democrático está a ser partilhado por todos os que querem um futuro muito mais moderno para Cabo Verde.
Existe o estigma que o segundo mandato é o suicídio. Concorda?
PM: Em absoluto não. O 2º mandato quando feito com uma orientação clara para a realização do bem comum serve para consolidar os ganhos de um 1º mandato. Se as pessoas dão a qualquer Primeiro-ministro um 2º mandato é porque consideraram que o 1º foi um mandato com ganhos importantes para o país. E eu considero que um 2º mandato é para consolidar esses ganhos e será melhor do que o 1º se os compromissos forem mantidos, e se o PM, enquanto Chefe do Governo, continuar a trabalhar com humildade, ouvindo as pessoas, construindo as pontes e os consensos necessários e garantindo os espaços para o exercício pleno das liberdades.
O segundo mandato vem com mais força?
PM: O 2º mandato é o fermento para o enriquecimento dos ganhos e das conquistas do 1º mandato.
O que é mais difícil de gerir quando se é Primeiro Ministro de um país?
PM: Aqui em Cabo Verde isto tem a ver com dois aspectos: o primeiro, a escassez de recursos, o segundo é o facto de sermos um país muito pequeno, onde é extremamente difícil gerir as relações interpessoais e inter-organizacionais. Numa sociedade de inter-conhecimento, os equilíbrios são muito precários e ter de gerir as relações interpessoais e inter-organizacionais é complexo. Considero que estas são as duas dimensões mais difíceis para um Primeiro Ministro de um país como Cabo Verde.
Como foi a ano de 2006 para si? Como está a nação após um ano da segunda vitória nas urnas? Quais os ganhos do seu Governo?
PM: Acho que a Nação está bem. Hoje mais do que nunca Cabo Verde está na moda. No mundo, há uma grande confiança no país, há uma grande credibilidade de Cabo Verde, há cada vez mais investimentos externos e há sinais de que o país encontrou definitivamente os caminhos da modernização, da construção de um novo futuro para estas ilhas. Considero que o ano de 2006 foi um ano que permitiu consolidar algumas coisas importantes: primeiro, Cabo Verde tem futuro e se trabalharmos bem arduamente conseguiremos construir esse futuro de mais modernidade, de mais liberdade, de melhor qualidade de vida para todos os cabo-verdianos. Um segundo aspecto, estamos rapidamente a transformar Cabo Verde de um país menos avançado para um país desenvolvido. Cabo Verde já é hoje um país emergente e surgem novas oportunidades para os jovens cabo-verdianos em termos de formação, de qualificação, de emprego, em termos de futuro. Já estamos num processo de transformação das vantagens comparativas de Cabo Verde em fontes de vantagens competitivas para o futuro. Já estamos a valorizar Cabo Verde no mundo, a reforçar a sua utilidade internacional, um país aberto ao mundo, um país cosmopolita, um país capaz de ser ponte entre os vários continentes, capaz de promover o diálogo, capaz de contribuir para a paz e o desenvolvimento deste corredor do Atlântico. A importância de Cabo Verde hoje é muito superior à sua dimensão territorial ou populacional.
Qual o compromisso que assume com os cabo-verdianos para este ano de 2007? Podemos esperar alguma medida especial para o ano de 2007?
PM: Neste ano de 2007 temos algumas prioridades. A primeira tem a ver com a modernização das infra-estruturas, a água, o saneamento, as estradas, os portos, os aeroportos, as telecomunicações e a electricidade. São dimensões extremamente importantes desse processo continuado de modernização das nossas infra-estruturas. Temos de conseguir levar a água potável à todas as pessoas, temos que conseguir levar luz para todos e temos de ter um país moderno em termos de todas as infra-estruturas que são importantes para sustentar uma forte dinâmica de crescimento e garantir a sustentabilidade ambiental desse mesmo crescimento.
A segunda prioridade tem a ver com a qualificação das pessoas. A Universidade de Cabo Verde, a extensão da formação profissional, temos de conseguir que os cabo-verdianos tenham todas as capacidades e competências que são necessárias para este processo de competitividade em que vamos entrar. A outra dimensão tem a ver com o esforço forte do Governo para que Cabo Verde continue a ser um país seguro, onde as pessoas se sintam bem, mas onde os direitos, as liberdades e as garantias dos cidadãos sejam efectivamente protegidos e promovidos. Tem a outra dimensão que é o trabalho contínuo para aprofundarmos a democracia, para que Cabo Verde continue a ser um exemplo, uma referência em termos de construção da democracia e de promoção de todas as liberdades.
Fale-nos um pouco mais sobre o sector da infraestruturação
PM: A infraestruturação de Cabo Verde é fundamental para atrairmos cada vez mais investimentos externos. Neste momento a comparação de Cabo Verde não pode ser feita com os países da costa africana e sim com os países mais desenvolvidos. Agora queremos comparar Cabo Verde com as Canárias, com a Madeira, com a Irlanda. Esta é a meta que queremos atingir nos próximos anos. Temos um défice ainda grande em termos de estradas, de portos, de aeroportos, da água, saneamento, tanto da recolha e tratamento do lixo, como da recolha e regeneração das águas residuais, da electricidade. Temos de fazer um esforço extraordinário para modernizar as nossas infra-estruturas e podermos ser um país mais moderno capaz de atrair mais investimentos. Mas também isto tem a ver um pouco com a gestão, temos é de mudar completamente a nossa mentalidade em relação à gestão, sobretudo à gestão do tempo. O tempo das respostas da Administração Pública cabo-verdiana terá de mudar radicalmente. Um país mais competitivo, mais desenvolvido tem de responder mais rapidamente às pessoas. Não podemos produzir decisões depois de seis meses, um ano após as pessoas solicitarem determinados serviços da Administração. De modo que as infra-estruturas são importantes, mas também extremamente importante é a mudança das mentalidades e a construção de sistemas muito mais modernos de gestão.
Fala-se muito da indústria do turismo e sabemos que temos um longo percurso a percorrer. Qual é a estratégia para incrementar e desenvolver este sector?
PM: Veja, neste momento, Cabo Verde é um país que está a crescer rapidamente no domínio do turismo. Novos hotéis e outros grandes empreendimentos turísticos estão a ser construídos em todas as ilhas do país, e há milhões de euros que vão ser investidos nos próximos anos, e dentro de três a quatro anos Cabo Verde vai transformar-se num país com um turismo de qualidade nesta região. O que nós precisamos é desenvolver um conjunto de actividades conexas para criarmos um ambiente mais favorecedor ao desenvolvimento do turismo, designadamente a industria cultural, desenvolver muito mais a música, o artesanato, uma agenda de eventos e à volta disso criar um conjunto de pequenas e médias empresas que possam contribuir para a densificação do tecido empresarial e para gerar mais actividades económicas, mais emprego e mais rendimentos. O turismo poderá também permitir o desenvolvimento de agro-negócios, o desenvolvimento do desporto (não só o desporto náutico, mas também outras actividades desportivas), ou seja, há espaços grandes e muitas oportunidades para que o turismo seja um motor e à volta do mesmo podermos criar empresas, fazer negócios, criar empregos etc.
Quais as medidas do governo para a emigração? Que tipo de apoio?
PM: Há dois sectores, a emigração do sul que precisa de um apoio mais assistencial do Estado de Cabo Verde, apoio na educação, nas bolsas de estudo, na habitação, na promoção de actividades empresariais, no micro-créditos, etc. Estamos a fazer tudo isso em relação a São Tomé, Angola, Guiné-Bissau, Moçambique etc. Por outro lado, há a emigração do norte, onde há um segmento mais integrado. Neste caso é preciso aproveitar todas as capacidades e competências existentes, pois, há professores universitários, empresários, desportistas e músicos. Deve-se aproveitar toda essa riqueza para o desenvolvimento de Cabo Verde. No norte há também um segmento com problemas de integração e aqui é preciso garantir negociações com os governos, nos domínios da segurança social, do emprego e da integração profissional. Estamos a trabalhar com os governos dos países de acolhimento no sentido de desenvolverem políticas mais inclusivas em relação às nossas comunidades.
Fale-nos do Sistema Nacional da Saúde
PM: O Sistema Nacional de Saúde em Cabo Verde funciona bem se considerarmos as condições sócio-económicas do País. Aliás, no recente estudo do INE, 90% dos cabo-verdianos mostram-se satisfeitos com os serviços de saúde. Nós estamos a construir mais hospitais regionais, mais centros de saúde, mais postos sanitários, estamos a aumentar o número de médicos, de enfermeiros, estamos a trazer novos equipamentos modernos de diagnósticos. Estamos a introduzir novas especialidades médicas como o tratamento do cancro, a trabalhar para a instalação de uma unidade de hemodiálise, ou seja, dentro de dois ou três anos a modernização do sector da saúde será mais evidente em todas as ilhas e, consequentemente, haverá uma melhoria substancial da qualidade dos serviços que são prestados. Por um lado, isto tem a ver com a qualidade de vida dos cabo-verdianos e, por outro, tem a ver com as demandas e as exigências de todo o desenvolvimento do turismo em Cabo Verde.
Paira a dúvida na cabeça do funcionário público se no processo da Reforma do Estado está previsto despedimentos? Em que consiste a Reforma do Estado?
PM: O que nós estamos a prever basicamente é a mudança dos paradigmas de gestão. Não estamos a prever saídas na Administração Pública, não estamos a prever despedimentos. O que nós queremos é que o mérito seja valorizado. Temos de introduzir mecanismos de avaliação de desempenhos individual e organizacional. Nós queremos que as pessoas tenham a oportunidade de crescer nas suas respectivas carreiras. Aqui temos de ter um novo plano de cargos, carreiras e salários que garanta esse crescimento, mas um crescimento compatível com as possibilidades económicas do País. Queremos que as organizações públicas sejam mais leves, mais flexíveis e orientadas para resultados. Temos que fazer uma autêntica reengenharia das organizações públicas em Cabo Verde. Teremos de criar mecanismos de suporte organizacional que favoreçam o bom desempenho individual e organizacional, bem como a eficácia dos resultados da Administração Pública, ou seja, com os mesmos recursos humanos e financeiros, fazer muito mais e melhor para podermos transformá-la num instrumento de desenvolvimento e da competitividade da economia cabo-verdiana. São esses os objectivos, portanto, isso passa não pelo despedimentos das pessoas, mas pela requalificação das pessoas, pela valorização do mérito e pela criação de condições favorecedoras de um melhor desempenho na Administração Pública.
Em que ponto está a segurança social em Cabo Verde?
PM: A Segurança Social está num processo de modernização. Os funcionários públicos estão a ser gradualmente integrados no sistema de segurança social, estamos a garantir a prestação de assistência médica e medicamentosa e já criamos o sistema não contributivo de Previdência Social, um Centro Nacional de Pensões, um Fundo Mutualista e estamos a universalizar todo o sistema da segurança social, que é um ganho fundamental para um país como Cabo Verde.
A Universidade de Cabo Verde é um sonho que está a se tornar realidade. Para quando o seu funcionamento a todo o vapor?
PM: A Universidade de Cabo Verde já está a funcionar. Há alguns institutos de ensino superior que já estão a leccionar, a oferecer oportunidades de formação de nível superior e está-se numa fase de negociação para o desenvolvimento institucional dos mesmos, que são os pilares da Universidade de Cabo Verde. Temos o Instituto Superior de Educação, o ISEE, o ISECMAR, o Centro de Formação Agrícola do INIDA, o INAG. A própria Reitoria da Uni-CV neste momento já está a realizar um conjunto de acções, designadamente de investigação e de formação de nível de mestrado e de doutoramento, para a constituição do corpo docente e a formação de gestores da Universidade. Já está definido o modelo, as formas de governação da Universidade e já se está a trabalhar para que gradualmente toda essa rede de instituições, de pessoas, de estudos, pesquisas etc., irrompam na esfera pública como a Universidade de Cabo Verde.
Qual a mensagem de confiança que deixa aos cabo-verdianos? O que de melhor deseja à população cabo-verdiana?
PM: O que eu posso dizer aos cabo-verdianos é que Cabo Verde tem futuro. Precisamos mais do que nunca ser orgulhosos destas ilhas de Cabo Verde. Amar profundamente estas ilhas, ter um forte sentido patriótico, sobretudo neste momento de transição de País Menos Avançado para País de Rendimento Médio, exige de nós uma profunda dedicação, um trabalho árduo para podermos dar respostas aos novos desafios. Quero pedir aos cabo-verdianos que amando estas ilhas, trabalhemos muito mais arduamente para enfrentar os desafios do futuro. Mas eu estou confiante, como no passado, que poderemos superar todas as dificuldades e continuar a construir este grande país de diásporas, de ilhas, mas de gente abnegada, generosa e capaz de realizar autênticos milagres em momentos como estes.